Pesquisadores buscam reunir mais informações sobre a doença que tem sintomas semelhantes aos da dengue e da chikungunya. Originária da Amazônia, arbovirose se espalhou pelo país, possivelmente em razão das mudanças climáticas.
O número jamais registrado de casos de febre Oropouche no Brasil tem assustado a população. Somente neste ano, foram identificadas mais de 7,7 mil pessoas com a doença — em 2023, eram apenas 831. O arbovírus Orthobunyavirus oropoucheense existe no país desde a década de 1960, concentrado na região amazônica. Porém, em 2024, tomou conta de praticamente todo território brasileiro. Especialistas ouvidos pelo Correio compartilham esforços da ciência para tentar entender esse surto epidemiológico.
“É um vírus que temos muito menos informação do que em relação à dengue. Do ponto de vista de tratamento estamos procurando, ele é de suporte, não existe específico, não existe vacina. Então, o que os médicos fazem é controlar os sinais e sintomas — quanto mais cedo o diagnóstico, mais fácil direcionar o tratamento. Orientamos que as pessoas com sintomas procurem logo um atendimento médico. Tratamos com o conhecimento que temos da dengue”, explica Felipe Gomes Naveca, virologista e chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Assim como outras arboviroses (dengue, zika, chikungunya), a Oropouche é transmitida por um mosquito, chamado de “maruim”, e provoca sintomas similares à dengue. Os mais comuns são: dor de cabeça intensa, dor muscular, náusea e diarreia. Isso pode ser um desafio na hora do diagnóstico.
“Em casos em que o quadro clínico era compatível com dengue ou chikungunya e o diagnóstico dava negativo para essas duas arboviroses, começou-se a investigar quais as outras doenças tinham características semelhantes. A partir do momento em que começamos a testar esses casos, encontramos o Oropouche”, comenta a epidemiologista Joziana Barçante.
Segundo a especialista, 60% dos pacientes sintomáticos infectados pelo vírus Oropouche apresentam uma melhora clínica. Depois de 15 ou até 30 dias, voltam a sentir as dores. Se não tiver sido testada, a pessoa pode acreditar, inclusive, que contraiu dengue pela segunda vez — o que é um quadro bem perigoso.
O Brasil foi também o primeiro no mundo a confirmar morte pela Oropouche, que também existe nos outros países das Américas. Duas mulheres, com menos de 30 anos, moravam no interior da Bahia e não possuíam comorbidades. Os sintomas apresentados por elas eram semelhantes aos de um quadro grave de dengue.
“Nunca tinha sido descrito óbito, ainda estamos tentando entender o que aconteceu”, diz Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz. Segundo ele, em ambas mortes foi verificado o comprometimento de vários órgãos e, em algumas literaturas, é descrito manifestações hemorrágicas e no sistema nervoso central no agravamento da doença — como ocorre na dengue.
O Ministério da Saúde investiga ainda se quatro casos de aborto espontâneo e dois de microcefalia em bebês têm relação com a febre Oropouche. Os registros foram em Pernambuco, Bahia e Acre. Esse esforço de apuração busca saber a extensão dos danos à saúde que podem ser provocados pela doença.
“A partir do momento que começou-se a detectar os casos de Oropouche e a investigar a correlação com a má formação fetal, evidenciou-se que existia essa relação de causalidade”, observa Barçante. “Na verdade, a gente tem registros um pouco mais antigos relacionados à má formação ocasionada por vírus da mesma família do Oropouche. Então, quando se identificou que o vírus Oropouche está circulando — porque houve melhora na captação de diagnóstico —, está sendo feita uma investigação retroativa de casos de microcefalia que não tinham uma origem relacionada a alguma outra causa”, acrescenta a epidemiologista. Ela relembra que outra arbovirose, a zika, já foi comprovada como causa de morte de fetos e microcefalia.
Explicação
O atual cenário epidemiológico, de acordo com os especialistas, pode ser explicado ou pela maior testagem para o vírus ou pela nova variante, batizada de 2015/2024. “Tudo indica que o vírus surgiu na região amazônica e circulava entre animais silvestres, que eram os vetores. As condições climáticas mantinham o vírus lá. Agora, além dessa linhagem nova, tivemos muita chuva e calor na região, o que alterou o comportamento do vetor”, descreve Naveca.
“Isso juntou duas coisas, a nova linhagem e as condições climáticas favoráveis, que podem ter feito o vírus se espalhar. E também testagem maior. Se não estivéssemos testando, iríamos continuar sem saber”, alerta o especialista
O pesquisador da Fiocruz afirma que estudos realizados por diversos acadêmicos chegaram à conclusão de que, de fato, existe um “novo tipo” de Oropouche, que é uma mutação natural dos vírus, não só no Brasil, mas também em outros países das Américas, como Peru e Cuba. Já o fato de o vírus ter se espalhado, pode ser fruto de alterações climáticas e desmatamento. “O vírus Oropouche está associado ao desmatamento porque o mosquito circula nas matas e quando as pessoas vão desmatar, podem levar o vírus”, suspeita o pesquisador.
O Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde mostra que, até o momento, apenas Rio Grande do Sul, Paraná, Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Norte não tiveram casos de oropouche confirmados. “Não dá para ter certeza se é por conta dessa linhagem que se espalhou ser mais transmissível porque também nunca houve tanta testagem para o vírus”, destaca Naveca.
Ainda de acordo com os pesquisadores, por iniciativa do Ministério da Saúde, os testes para a doença começaram a ser aplicados em todo país — antes, estavam concentrados na região amazônica. Isso fez com que muitos casos que não eram positivos para outras arboviroses fossem identificados como Oropouche. Segundo a Fiocruz, desde 2016, o instituto já chamava atenção para a necessidade de testagem, mas “não era prioridade para o governo”.
A expectativa, segundo os especialistas, é que, a partir de agora, com mais testes, a doença siga presente na realidade brasileira, assim como já é a dengue. Com mais estudos e conhecimento, será feito a melhora do tratamento e diagnóstico. O que pode ser feito pela população é a prevenção, evitando acúmulo de água e lixo e utilizando repelente.
Fonte: Correio Braziliense